(Prof. de Sociologia Ricardo de Moura Borges)
Causa-me espanto e admiração em um fato que tende a se repetir durante o início de todos os anos letivos desde a minha tenra juventude, a tão famosa e falada GREVE DOS PROFESSORES. Por greve entendemos: Paralisação; interrupção que, feita de modo voluntário e determinada pelo (os) trabalhador (es), reivindica (m) direitos ou protesta (m) contra ameaças ou situações desvantajosas no trabalho (Dicionário on-line, 2020) . Sabemos das lutas de interesses promovidas pelas ideologias vigentes, que nada mais procuram do que permanecer no poder. .
Parece que aqueles que outrora
faziam a revolução nas greves entre as décadas de 1980, 1990, 2000 etc., são
justamente os que estão na zona de mando, ou seja, fazem parte do poder
político vigente. Ai nos cabe as seguintes indagações: Por que, aparentemente
nada mudou? Se mudaram as estruturas políticas e ideológicas porque as GREVES
DE PROFESSORES, birraram em continuar no processo histórico? Quem são esses
professores que de fato e de direito podem GREVAR? Quais os reais interesses
daqueles que promovem a greve? E por fim, quem são os professores substitutos
do nosso Estado?
Iniciaremos pela última pergunta,
tentando nos debruçar sobre as demais questões promovendo um texto reflexivo,
salientando que não temos o interesse de deixar verdades absolutas concretas,
prontas e fechadas, nos esgotando sobre o assunto, mas entendemos que de fato em uma sociedade pós moderna,
plural, cabe-nos a reflexão sobre o cotidiano.
Enfim, os professores substitutos
são professores que são submetidos temporariamente (período regular de um a
dois anos), por uma prova elaborada pelo Estado, onde são dadas questões
referentes à: conhecimentos específicos
de sua determinada área de formação, conhecimentos sobre a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (LDB 9394/96) e recentemente no último concurso (2018) houve
a redação. Por fim, existe a análise de currículo para que haja a aprovação
definitiva do candidato. Trabalham da mesma forma que o professor efetivo (este
submeteu-se a uma prova do ESTADO, uma única vez e está concursado
definitivamente até sua morte, amparado por todas as formas legais, podendo se
filiar a um sindicato).
Os professores substitutos ganham de
forma desproporcional ao professor efetivo, sendo que no fim do contrato em
dezembro, não recebem enquanto não houver renovação do mesmo. Daí, já
percebemos duas distinções: primeiro a questão salarial e segundo não se
vinculam a nenhum sindicato, pois estão amparados meramente por um contrato que
pode ser renovado por um ano, caso a escola tenha a necessidade de contratação.
Daqui, percebemos que seria injusto falarmos de PROFESSORES, como uma classe
única aguerridos pelos mesmos interesses.
Salientamos que a GREVE como
instrumento de defesa de um grupo acaba em pleno século XXI como uma forma
desgastada. Não podemos entende-la nos mesmos moldes das grandes Greves
estudadas nos livros de história, onde havia um interesse coletivo, justamente
por brigas entre duas classes distintas, como nos lembra Marx, os burgueses
versus os proletariados. Cabe-nos uma reflexão mais weberiana, ao perceber que
com o processo de globalização acelerado nas últimas décadas, o processo de
burocratização e de “desencantamento do mundo”, existe uma luta de pequenos
burgueses, contra os grandes burgueses, e estes pequenos estão fragmentados.
Assim Weber distingui diversas classes existentes, dentre elas:
São
classes sociais: 1 – o proletariado em seu conjunto, tanto mais quanto mais
automático for o processo de trabalho; 2 – a pequena burguesias; 3 – a
intellingentsia sem propriedade e os peritos profissionais (técnicos
“empregados” comerciais ou de uma outra espécie, burocratas; eventualmente, em
proporção aos custos de sua educação. Além das classes dos proprietários e dos
privilegiados por educação. (CASTRO, 2001, p. 124).
Já que a classe é detentora de algum
meio de produção e são privilegiados por uma educação formal, passamos a
chamá-los de pequenos burgueses, tendo em vista que não são os operários
desprovidos de qualquer meio, portanto não são apenas meros proletariados.
Esta fragmentação, é visível quando
percebemos que dentro da classe dos professores, notamos: efetivos,
substitutos, universitários, com carteira assinada de escolas privadas, dentre
outros. E sem nos referirmos as questões de formação que cada um carrega em si.
Por exemplo, não podemos pegar dois professores pedagogos e pensarmos que os
mesmos tem as mesmas convicções, tendo em vista que cada um carrega sua bagagem
cultural e sua linha de pesquisa com leituras distintas sobre o mundo. Assim, ao nos referirmos sobre
professores, cabe as seguintes interrogações: quais professores? Que
professores? O filósofo perguntaria: O que é ser professor? (Deixemos essa questão
para um futuro texto em filosofia da educação). Não se verá de forma expressiva professores universitários aguerridos em uma paralisação sindical,
quando a greve é dos professores do efetivos do estado. Nem de professores de
rede privada lutando por interesses de professores universitários. Muito menos
de professores efetivos da rede pública lutarem por melhore condições salariais
em prol dos professores de outra rede. E nem o caso contrário pode ser
imaginado.
Contudo com a fragmentação do
sujeito e da sociedade, em tempos líquidos, como nos lembra o sociólogo Bauman,
mas antes o mesmo parte do conceito de modernidade, ao dizer que:
Um
período histórico que começou na Europa Ocidental no século XVII com uma série
de transformações sócio estruturais e intelectuais profundas e atingiu sua
maturidade primeiramente como projeto cultural, com o avanço do Iluminismo e
depois como forma de vida socialmente consumada, com o desenvolvimento da
sociedade industrial (capitalista e, mais tarde, também a comunista). (BAUMAN,
1999b, p. 299-300).
O sociólogo proclama a modernidade
liquida, com o derretimento do sólido produzido pela modernidade iniciada com a
ruptura da tradição preservada pela Idade Média, desembocando no florescimento
e consolidação do capitalismo e outras formas como o comunismo. Portanto,
existe uma mudança constante de percepção de mundo, movida por interesses
daqueles que não estão no poder contra aqueles que estão no poder.
Notamos que o movimento grevista perde sua
força porque o coletivo dentro do próprio grupo se enfraquece por si só. Basta
observar os últimos anos onde se falou em greve, poucas manifestações, leves e
brandas deliberações. Essas deliberações são iniciadas para ver se a escola vai
ou não grevar, mas pouco se coloca de forma eficiente e eficaz a prática no dia
a dia da greve. Após decisão da GREVE, a tendência é cada um voltar-se para
suas casas deleitando-se com a Netflix e retornarem no termino da mesma. Portanto, seria a Greve uma extensão das férias de fim de ano ou um acordo com a Netflix?.
Em nosso século as mobilizações
congelaram-se nas redes sociais, os marxistas, anarquistas, capitalistas e
demais istas, estão presos em ideologias muitas das vezes galgadas pela
superficialidade, ou comodismo, ou pelo desejo de não lutarem efetivamente nos
espaços públicos, na rua, com faixas,
cartazes, paneladas, pratadas, queima de pneus (se bem que este agride o meio
ambiente), ficando presos apenas a discussões em redes sociais, pela qual
muitas das vezes são sufocadas por outras informações. Fica-se com um olho na
Netflix e outro nas redes sociais. Nada
contra o que é antigo ou tradicional, e vemos justamente que os meios de
comunicação são altamente necessários para que haja uma mobilização nas redes
sociais. Mas será que apenas estas surtem efeito prático e efetivo? E o antigo
e tradicional está justamente em arregaçar as mangas e sair em prol daquilo que
se está em defesa, conscientizando alunos e comunidade.
Karl Marx, nos lembra que o primeiro
processo para que haja mudança é a conscientização do processo de exploração.
Mas é necessário complementar que essa visão dualista de luta do bem contra o
mal não cabe nos dias atuais. Tendo em vista por experiência pratica, que
aqueles que reivindicam nem sempre estão dispostos a conscientizar os demais,
onde fica mais cômodo atender aos próprios interesses de mando por meio da
omissão, como acumulo de cargos, pseudo discursos que dizem atender ao
coletivo, manipulação política para beneficiar determinado interesse e até
procura de cargos (por meio de portarias) inexistentes, dentre outros aspectos.
É melhor agir como o burguês, pelo medo através do grito, do que pelo diálogo e
verdadeira deliberação, procurando uma democracia ativa. Assim, vemos as
falácias em relação a metodologias ativas, mas a pratica se esvazia fazendo dos
discursos inconsistentes e sem coerência. A práxis não é vivida.
Evidente que pouco se escuta o diferente. Já
cristalizados por muito tempo de atividades e concepções, pouco se abrem para
outras perspectivas, principalmente porque estão presos e não querem se propor
a sair da visão binária de mundo. Dessa forma, não percebem que o tempo o
transformou naquilo que um dia quando jovem mais repudiaram. O jornalista Aparício Torelly, auto intitulado Barão de Itararé estava corretou ao proclamar que: “Adolescência é a idade em
que o garoto se recusa acreditar que um dia ficará tão cretino quanto o pai”
(FIGUEIREDO, 2012, p.24). Outro exemplo, fica evidente no livro a revolução dos
bichos de George Orwel, que se faz tão presente, causando-me assombro! Um trecho do
livro nos diz:
Não
havia dúvida agora quanto ao que sucedera à fisionomia dos porcos. As criaturas de fora olhavam
de um porco para
um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já se tornara impossível distinguir quem era homem, quem
era porco. (Orwel, 1945).
A grosso modo é uma história
(estória) onde os animais de uma fazenda (revolucionários) percebem o sistema
de exploração dado pelo fazendeiro ( capitalista e controlador). Os mesmos
expulsaram o fazendeiro e inicialmente inflamados por discursos socialistas e
comunistas chegaram ao poder, mas no decorrer da convivência, os porcos que
tomaram conta da casa do fazendeiro, manipularam a seu bel prazer o discurso
para serem privilegiados
Li este livro no curso de História na
universidade. Me causou admiração e gargalhadas no primeiro contato com a obra.
Quatro anos após, me causa espanto e indignação ao perceber a crítica ferrenha que o autor
faz as ideias revolucionárias daqueles que pregam uma coisa (com
pseudodiscursos) e ao chegarem no poder, fazem de tudo para que o sistema seja
o mesmo, tal qual, desde que lhe beneficie. O comunista, marxista, ao chegar no
poder transforma-se ao seu bel prazer num pequeno burguês. dessa maneira, aquele que chega no poder fará de tudo para permanecer no mesmo.
Para que haja eficácia dever-se-ia utilizar-se
dos meios da sociedade contemporânea como redes sociais, atrelado as práticas
de mobilização social, na rua, na escola, na comunidade, no bairro, com a
presença real das pessoas que agregam-se ao movimento. Mas não estamos falando
mais de simples proletariados, mas de uma pequena burguesia que se firmou e
ascendeu socialmente, portanto, para a mesma que se apropriou dos meios
culturais, cria meios e métodos para firmar-se no poder em que estão inseridos.
Nos discursos entendemos que existe um jogo de interesses muito maior que é
camuflado por “jogos de manipulações”. Ah! Como eu não gostaria de ter feito
sociologia... (mas é tão evidente, que não precisa ser sociólogo para
perceber).
Fico pensando que este texto está
sendo construído por um professor substituto do Estado, e vem a indagação: qual
seria a posição se este que vos escreve fosse um professor efetivo? Com certeza
lutaria pelos interesses em questão. Mas pela formação reflexiva construiria
pontes de pensamento crítico-reflexivo da mesma maneira.
Lembremo-nos que os substitutos não
tem vínculo definitivo com o Estado, sendo que mesmo o contrato sendo renovado
após um ano, sua matricula é modificada. Uma estratégia para que o mesmo não
crie acoplo. Seria uma tática articulada para minimizar as pressões sociais?
Retirar os meios de mobilização, destituir de direitos de vínculos, e
coloca-los para trabalhar presos a condições salariais que mal podem ser
aplicadas em uma formação continuada? Ficam as questões em aberto.
Mas
salientamos, que discursos (falácias) como que “para ser um bom professor é
necessário que haja um bom salário” e “é necessário condições para que a aula
aconteça” é notória e evidente. Somos totalmente a favor, desde que não fiquem
apenas em discursos. Embora, percebamos que sendo substitutos em sua grande
maioria são elogiados pelas suas magnificas aulas e diga-se de passagem, muitos
tiram de seu próprio bolso para investirem em projetos que são desenvolvidos
nas escolas em que trabalham. Daí cai por terra o argumento de que "o salário
bom é que faz uma boa aula". Ao mesmo tempo, percebemos a necessidade de
valorização do professor, que em muitos casos desdobra-se em três, quatro,
cinco escolas ou mais para poder complementar a renda para custear sua
sobrevivência. O que não é fácil!
Parece-nos que nada mudou, mas historicamente
mudou-se muita coisa, embora a GREVE permaneça e seja uma estratégia
necessária, desde que proponha-se efetivamente conscientizar alunos,
professores, comunidade escolar, comunidade onde a escola esteja inserida,
dentre outros meios. Articular greve,
não é apenas ficar em casa de braços cruzados, assistindo a Netflix, ou viajar
de “férias” (como se fosse uma extensão das férias de fim de ano) ou
esmiunçar-se em pseudo críticas apenas em redes sociais ao seu bel prazer. Se a
luta é pelo coletivo, por que não se olha para aqueles que também precisam ser
valorizados em sua profissão ?. Seria um coletivo individualista? ( o meu
coletivo que não cabe a luta por aqueles que se dedicam também ao trabalho
docente, como os professores substitutos?).
Esse texto é uma apologia ao desenvolvimento,
aprimoramento e compromisso de muitos professores (as) substitutos que lhe são
renegados as condições mínimas para que possam desenvolver seu humilde trabalho
com mais desenvoltura. Parece que caímos constantemente em um ostracismo,
sempre confundindo-se a nossa figura com a do professor efetivo! É necessário
sairmos deste senso comum e assim construirmos o nosso espaço. Parafraseando
Karl Marx, digo: “Professores substitutos do mundo, uni-vos! Mas ao mesmo tempo
tendo cuidado, em vista que quanto mais se fragmenta uma classe, mas fica
frágil e pode ser engolida pelo sistema. Eis o desafio! Mas ficar presos a
estruturas sem nada poder fazer é muito pior.
Durante o período letivo na escola somos
todos iguais, ambos preenchem sistemas burocráticos, preparam aulas, planos
anuais, mensais e diários. Organizam-se em projetos coletivos da escola. Mas
quando se fala de luta por direitos de IGUALDADE percebemos que os substitutos
não caem nem nas pautas porque é estrategicamente montado o sistema de exploração
a classe de professores, onde os efetivos lutam arduamente para que os poucos direitos
conseguidos não sejam desvalorizados.
Os substitutos entram na lógica cruel do
capitalismo selvagem, como se fossem dados como meras engrenagens de uma grande
máquina, onde quando desgastados, enferrujados, são substituídos por outros
mais jovens que se formam pela universidade. Outro aspecto é sobre sua
formação, em que formados e gabaritados em uma área de conhecimento, são
convidados a assumirem outras, porque os efetivos tem a prioridade, não
importando se este é da área de conhecimento ou não. O governo economiza com os substitutos e
pouco promove concursos efetivos.
Vale ressaltar que dentro da própria classe
de professores efetivos raramente se encontra um incentivo para que seus filhos
sejam professores, tendo em vista que os mesmos (filhos) em sua grande maioria
são matriculados em escolas particulares de ensino e desde cedo orientados para
seguirem outras profissões dadas pela sociedade como saberes “superiores”, que
rendem altos salários. Naturalizou-se a concepção de que filho de professor
será médico, bancário, arquiteto advogado, mas não professor, e quando o for
atenderá a outro público, quer seja universitário ou outros patamares sociais. Hoje
com a educação 4.0, sabemos que a ascensão social também parte do aprimoramento
constante do uso e aperfeiçoamento das novas tecnologias de informação e
comunicação.
Não raro, vemos youtubers, ou criadores de
aplicativos que ascenderam no capital financeiro de forma estrambólica. Fala-se
muito das novas profissões que surgirão futuramente e consequentemente das
profissões que ficarão obsoletas. Fato é que sempre necessitará de alguém para
ensinar, portanto o professor mantem-se com o seu papel garantido, desde que
adapte-se ao processo educativo vigente. O professor do século XXI é o mediador
do conhecimento e não mais o mero detentor e reprodutor de conceitos.
Se a GREVE DOS PROFESSORES é pela luta constante para que
haja uma valorização efetiva dos professores, em questão salarial e
social. É necessário que a luta continue
como um processo, sendo sua manifestação como forma de uma conscientização
permanente entre comunidade, pais, professores, educandos e sociedade procurando
estabelecer uma revalorização pratica e eficiente. Os conteúdos de sociologia,
história, geografia e filosofia, durante o ano letivo, são experts em expor a
necessidade de conscientização de luta frente as desigualdades sociais. Mas
engessa-se o conhecimento, como se o que aquilo que aprendemos na escola
durante as aulas não tivesse uma relação prática. (Eis outro tema rico de
discussão).
Espero
que esta greve de 2020, proporcione reflexões práticas, para pensarmos em estratégias
que minimizem os conflitos sociais, dos jogos de interesse na sociedade. A
greve bem articulada, programada, feita com os meios necessários e as ferramentas
a partir de propostas que promovam o bem comum da comunidade que greva,
favorece meios para que esta fixe seus objetivos propostos, chegando as metas e
possa promover uma reflexão as demais classes que não são privilegiadas com
estes mecanismos de combate.
A nós professores substitutos cabe a
leitura, reflexão, debate, senso de criticidade real sobre os interesses
colocados desde os ambientes de emprego, como na política vigente, ou seja,
entender que jogos de interesses existem tanto nos espaços micros como macros
de uma sociedade plural, contraditória e pós moderna que direciona o indivíduo
para a angustia, egoísmo e individualismo constante.
Bibliografia:
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência.
Tradução Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999b.
CASTRO, Ana Maria (Org.). Introdução ao Pensamento sociológico.
São Paulo, 2001.
FIGUEIREDO, Cláudio. Entre sem Bater: a vida de Apparício
Torelly, o Barão de Itararé. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2012.
Orwell, 1945] ORWELL, G., A Revolução dos Bichos, São Paulo:
Círculo do Livro, 1945.
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