sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Afinal, O que a greve de professores realmente significa para um professor substituto? – breves reflexões

           (Prof. de Sociologia Ricardo de Moura Borges)


            Causa-me espanto e admiração em um fato que tende a se repetir durante o início de todos os anos letivos desde a minha tenra juventude, a tão famosa e falada GREVE DOS PROFESSORES. Por greve entendemos: Paralisação; interrupção que, feita de modo voluntário e determinada pelo (os) trabalhador (es), reivindica (m) direitos ou protesta (m) contra ameaças ou situações desvantajosas no trabalho (Dicionário on-line, 2020) . Sabemos das lutas de interesses promovidas pelas ideologias vigentes, que nada mais procuram do que permanecer no poder. .
            Parece que aqueles que outrora faziam a revolução nas greves entre as décadas de 1980, 1990, 2000 etc., são justamente os que estão na zona de mando, ou seja, fazem parte do poder político vigente. Ai nos cabe as seguintes indagações: Por que, aparentemente nada mudou? Se mudaram as estruturas políticas e ideológicas porque as GREVES DE PROFESSORES, birraram em continuar no processo histórico? Quem são esses professores que de fato e de direito podem GREVAR? Quais os reais interesses daqueles que promovem a greve? E por fim, quem são os professores substitutos do nosso Estado?
            Iniciaremos pela última pergunta, tentando nos debruçar sobre as demais questões promovendo um texto reflexivo, salientando que não temos o interesse de deixar verdades absolutas concretas, prontas e fechadas, nos esgotando sobre o assunto, mas entendemos que de fato em uma sociedade pós moderna, plural, cabe-nos a reflexão sobre o cotidiano.
            Enfim, os professores substitutos são professores que são submetidos temporariamente (período regular de um a dois anos), por uma prova elaborada pelo Estado, onde são dadas questões referentes à:  conhecimentos específicos de sua determinada área de formação, conhecimentos sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394/96) e recentemente no último concurso (2018) houve a redação. Por fim, existe a análise de currículo para que haja a aprovação definitiva do candidato. Trabalham da mesma forma que o professor efetivo (este submeteu-se a uma prova do ESTADO, uma única vez e está concursado definitivamente até sua morte, amparado por todas as formas legais, podendo se filiar a um sindicato).
            Os professores substitutos ganham de forma desproporcional ao professor efetivo, sendo que no fim do contrato em dezembro, não recebem enquanto não houver renovação do mesmo. Daí, já percebemos duas distinções: primeiro a questão salarial e segundo não se vinculam a nenhum sindicato, pois estão amparados meramente por um contrato que pode ser renovado por um ano, caso a escola tenha a necessidade de contratação. Daqui, percebemos que seria injusto falarmos de PROFESSORES, como uma classe única aguerridos pelos mesmos interesses.
            Salientamos que a GREVE como instrumento de defesa de um grupo acaba em pleno século XXI como uma forma desgastada. Não podemos entende-la nos mesmos moldes das grandes Greves estudadas nos livros de história, onde havia um interesse coletivo, justamente por brigas entre duas classes distintas, como nos lembra Marx, os burgueses versus os proletariados. Cabe-nos uma reflexão mais weberiana, ao perceber que com o processo de globalização acelerado nas últimas décadas, o processo de burocratização e de “desencantamento do mundo”, existe uma luta de pequenos burgueses, contra os grandes burgueses, e estes pequenos estão fragmentados. Assim Weber distingui diversas classes existentes, dentre elas:

São classes sociais: 1 – o proletariado em seu conjunto, tanto mais quanto mais automático for o processo de trabalho; 2 – a pequena burguesias; 3 – a intellingentsia sem propriedade e os peritos profissionais (técnicos “empregados” comerciais ou de uma outra espécie, burocratas; eventualmente, em proporção aos custos de sua educação. Além das classes dos proprietários e dos privilegiados por educação. (CASTRO, 2001, p. 124).

            Já que a classe é detentora de algum meio de produção e são privilegiados por uma educação formal, passamos a chamá-los de pequenos burgueses, tendo em vista que não são os operários desprovidos de qualquer meio, portanto não são apenas meros proletariados. 
            Esta fragmentação, é visível quando percebemos que dentro da classe dos professores, notamos: efetivos, substitutos, universitários, com carteira assinada de escolas privadas, dentre outros. E sem nos referirmos as questões de formação que cada um carrega em si. Por exemplo, não podemos pegar dois professores pedagogos e pensarmos que os mesmos tem as mesmas convicções, tendo em vista que cada um carrega sua bagagem cultural e sua linha de pesquisa com leituras distintas sobre o mundo.  Assim, ao nos referirmos sobre professores, cabe as seguintes interrogações: quais professores? Que professores? O filósofo perguntaria: O que é ser professor? (Deixemos essa questão para um futuro texto em filosofia da educação). Não se verá de forma expressiva professores universitários aguerridos em uma paralisação sindical, quando a greve é dos professores do efetivos do estado. Nem de professores de rede privada lutando por interesses de professores universitários. Muito menos de professores efetivos da rede pública lutarem por melhore condições salariais em prol dos professores de outra rede. E nem o caso contrário pode ser imaginado.
            Contudo com a fragmentação do sujeito e da sociedade, em tempos líquidos, como nos lembra o sociólogo Bauman, mas antes o mesmo parte do conceito de modernidade, ao dizer que:

Um período histórico que começou na Europa Ocidental no século XVII com uma série de transformações sócio estruturais e intelectuais profundas e atingiu sua maturidade primeiramente como projeto cultural, com o avanço do Iluminismo e depois como forma de vida socialmente consumada, com o desenvolvimento da sociedade industrial (capitalista e, mais tarde, também a comunista). (BAUMAN, 1999b, p. 299-300).

            O sociólogo proclama a modernidade liquida, com o derretimento do sólido produzido pela modernidade iniciada com a ruptura da tradição preservada pela Idade Média, desembocando no florescimento e consolidação do capitalismo e outras formas como o comunismo. Portanto, existe uma mudança constante de percepção de mundo, movida por interesses daqueles que não estão no poder contra aqueles que estão no poder.
Notamos que o movimento grevista perde sua força porque o coletivo dentro do próprio grupo se enfraquece por si só. Basta observar os últimos anos onde se falou em greve, poucas manifestações, leves e brandas deliberações. Essas deliberações são iniciadas para ver se a escola vai ou não grevar, mas pouco se coloca de forma eficiente e eficaz a prática no dia a dia da greve. Após decisão da GREVE, a tendência é cada um voltar-se para suas casas deleitando-se com a Netflix e retornarem no termino da mesma. Portanto, seria a Greve uma extensão das férias de fim de ano ou um acordo com a Netflix?.
            Em nosso século as mobilizações congelaram-se nas redes sociais, os marxistas, anarquistas, capitalistas e demais istas, estão presos em ideologias muitas das vezes galgadas pela superficialidade, ou comodismo, ou pelo desejo de não lutarem efetivamente nos espaços públicos,  na rua, com faixas, cartazes, paneladas, pratadas, queima de pneus (se bem que este agride o meio ambiente), ficando presos apenas a discussões em redes sociais, pela qual muitas das vezes são sufocadas por outras informações. Fica-se com um olho na Netflix e outro nas redes sociais.  Nada contra o que é antigo ou tradicional, e vemos justamente que os meios de comunicação são altamente necessários para que haja uma mobilização nas redes sociais. Mas será que apenas estas surtem efeito prático e efetivo? E o antigo e tradicional está justamente em arregaçar as mangas e sair em prol daquilo que se está em defesa, conscientizando alunos e comunidade. 
            Karl Marx, nos lembra que o primeiro processo para que haja mudança é a conscientização do processo de exploração. Mas é necessário complementar que essa visão dualista de luta do bem contra o mal não cabe nos dias atuais. Tendo em vista por experiência pratica, que aqueles que reivindicam nem sempre estão dispostos a conscientizar os demais, onde fica mais cômodo atender aos próprios interesses de mando por meio da omissão, como acumulo de cargos, pseudo discursos que dizem atender ao coletivo, manipulação política para beneficiar determinado interesse e até procura de cargos (por meio de portarias) inexistentes, dentre outros aspectos. É melhor agir como o burguês, pelo medo através do grito, do que pelo diálogo e verdadeira deliberação, procurando uma democracia ativa. Assim, vemos as falácias em relação a metodologias ativas, mas a pratica se esvazia fazendo dos discursos inconsistentes e sem coerência. A práxis não é vivida.
 Evidente que pouco se escuta o diferente. Já cristalizados por muito tempo de atividades e concepções, pouco se abrem para outras perspectivas, principalmente porque estão presos e não querem se propor a sair da visão binária de mundo. Dessa forma, não percebem que o tempo o transformou naquilo que um dia quando jovem mais repudiaram. O jornalista Aparício Torelly, auto intitulado Barão de Itararé estava corretou ao proclamar que: “Adolescência é a idade em que o garoto se recusa acreditar que um dia ficará tão cretino quanto o pai” (FIGUEIREDO, 2012, p.24). Outro exemplo, fica evidente no livro a revolução dos bichos de George Orwel, que se faz tão presente, causando-me assombro! Um trecho do livro nos diz:

Não havia dúvida agora quanto ao que sucedera à fisionomia dos porcos. As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já se tornara impossível distinguir quem era homem, quem era porco. (Orwel, 1945).

            A grosso modo é uma história (estória) onde os animais de uma fazenda (revolucionários) percebem o sistema de exploração dado pelo fazendeiro ( capitalista e controlador). Os mesmos expulsaram o fazendeiro e inicialmente inflamados por discursos socialistas e comunistas chegaram ao poder, mas no decorrer da convivência, os porcos que tomaram conta da casa do fazendeiro, manipularam a seu bel prazer o discurso para serem privilegiados
Li este livro no curso de História na universidade. Me causou admiração e gargalhadas no primeiro contato com a obra. Quatro anos após, me causa espanto e indignação ao perceber a crítica ferrenha que o autor faz as ideias revolucionárias daqueles que pregam uma coisa (com pseudodiscursos) e ao chegarem no poder, fazem de tudo para que o sistema seja o mesmo, tal qual, desde que lhe beneficie. O comunista, marxista, ao chegar no poder transforma-se ao seu bel prazer num pequeno burguês. dessa maneira, aquele que chega no poder fará de tudo para permanecer no mesmo. 
Para que haja eficácia dever-se-ia utilizar-se dos meios da sociedade contemporânea como redes sociais, atrelado as práticas de mobilização social, na rua, na escola, na comunidade, no bairro, com a presença real das pessoas que agregam-se ao movimento. Mas não estamos falando mais de simples proletariados, mas de uma pequena burguesia que se firmou e ascendeu socialmente, portanto, para a mesma que se apropriou dos meios culturais, cria meios e métodos para firmar-se no poder em que estão inseridos. Nos discursos entendemos que existe um jogo de interesses muito maior que é camuflado por “jogos de manipulações”. Ah! Como eu não gostaria de ter feito sociologia... (mas é tão evidente, que não precisa ser sociólogo para perceber).
            Fico pensando que este texto está sendo construído por um professor substituto do Estado, e vem a indagação: qual seria a posição se este que vos escreve fosse um professor efetivo? Com certeza lutaria pelos interesses em questão. Mas pela formação reflexiva construiria pontes de pensamento crítico-reflexivo da mesma maneira.
            Lembremo-nos que os substitutos não tem vínculo definitivo com o Estado, sendo que mesmo o contrato sendo renovado após um ano, sua matricula é modificada. Uma estratégia para que o mesmo não crie acoplo. Seria uma tática articulada para minimizar as pressões sociais? Retirar os meios de mobilização, destituir de direitos de vínculos, e coloca-los para trabalhar presos a condições salariais que mal podem ser aplicadas em uma formação continuada? Ficam as questões em aberto.
 Mas salientamos, que discursos (falácias) como que “para ser um bom professor é necessário que haja um bom salário” e “é necessário condições para que a aula aconteça” é notória e evidente. Somos totalmente a favor, desde que não fiquem apenas em discursos. Embora, percebamos que sendo substitutos em sua grande maioria são elogiados pelas suas magnificas aulas e diga-se de passagem, muitos tiram de seu próprio bolso para investirem em projetos que são desenvolvidos nas escolas em que trabalham. Daí cai por terra o argumento de que "o salário bom é que faz uma boa aula". Ao mesmo tempo, percebemos a necessidade de valorização do professor, que em muitos casos desdobra-se em três, quatro, cinco escolas ou mais para poder complementar a renda para custear sua sobrevivência. O que não é fácil!
Parece-nos que nada mudou, mas historicamente mudou-se muita coisa, embora a GREVE permaneça e seja uma estratégia necessária, desde que proponha-se efetivamente conscientizar alunos, professores, comunidade escolar, comunidade onde a escola esteja inserida, dentre outros meios.  Articular greve, não é apenas ficar em casa de braços cruzados, assistindo a Netflix, ou viajar de “férias” (como se fosse uma extensão das férias de fim de ano) ou esmiunçar-se em pseudo críticas apenas em redes sociais ao seu bel prazer. Se a luta é pelo coletivo, por que não se olha para aqueles que também precisam ser valorizados em sua profissão ?. Seria um coletivo individualista? ( o meu coletivo que não cabe a luta por aqueles que se dedicam também ao trabalho docente, como os professores substitutos?).
Esse texto é uma apologia ao desenvolvimento, aprimoramento e compromisso de muitos professores (as) substitutos que lhe são renegados as condições mínimas para que possam desenvolver seu humilde trabalho com mais desenvoltura. Parece que caímos constantemente em um ostracismo, sempre confundindo-se a nossa figura com a do professor efetivo! É necessário sairmos deste senso comum e assim construirmos o nosso espaço. Parafraseando Karl Marx, digo: “Professores substitutos do mundo, uni-vos! Mas ao mesmo tempo tendo cuidado, em vista que quanto mais se fragmenta uma classe, mas fica frágil e pode ser engolida pelo sistema. Eis o desafio! Mas ficar presos a estruturas sem nada poder fazer é muito pior.
Durante o período letivo na escola somos todos iguais, ambos preenchem sistemas burocráticos, preparam aulas, planos anuais, mensais e diários. Organizam-se em projetos coletivos da escola. Mas quando se fala de luta por direitos de IGUALDADE percebemos que os substitutos não caem nem nas pautas porque é estrategicamente montado o sistema de exploração a classe de professores, onde os efetivos lutam arduamente para que os poucos direitos conseguidos não sejam desvalorizados.
Os substitutos entram na lógica cruel do capitalismo selvagem, como se fossem dados como meras engrenagens de uma grande máquina, onde quando desgastados, enferrujados, são substituídos por outros mais jovens que se formam pela universidade. Outro aspecto é sobre sua formação, em que formados e gabaritados em uma área de conhecimento, são convidados a assumirem outras, porque os efetivos tem a prioridade, não importando se este é da área de conhecimento ou não.  O governo economiza com os substitutos e pouco promove concursos efetivos.
Vale ressaltar que dentro da própria classe de professores efetivos raramente se encontra um incentivo para que seus filhos sejam professores, tendo em vista que os mesmos (filhos) em sua grande maioria são matriculados em escolas particulares de ensino e desde cedo orientados para seguirem outras profissões dadas pela sociedade como saberes “superiores”, que rendem altos salários. Naturalizou-se a concepção de que filho de professor será médico, bancário, arquiteto advogado, mas não professor, e quando o for atenderá a outro público, quer seja universitário ou outros patamares sociais. Hoje com a educação 4.0, sabemos que a ascensão social também parte do aprimoramento constante do uso e aperfeiçoamento das novas tecnologias de informação e comunicação.
Não raro, vemos youtubers, ou criadores de aplicativos que ascenderam no capital financeiro de forma estrambólica. Fala-se muito das novas profissões que surgirão futuramente e consequentemente das profissões que ficarão obsoletas. Fato é que sempre necessitará de alguém para ensinar, portanto o professor mantem-se com o seu papel garantido, desde que adapte-se ao processo educativo vigente. O professor do século XXI é o mediador do conhecimento e não mais o mero detentor e reprodutor de conceitos.
Se a GREVE DOS PROFESSORES é pela luta constante para que haja uma valorização efetiva dos professores, em questão salarial e social.  É necessário que a luta continue como um processo, sendo sua manifestação como forma de uma conscientização permanente entre comunidade, pais, professores, educandos e sociedade procurando estabelecer uma revalorização pratica e eficiente. Os conteúdos de sociologia, história, geografia e filosofia, durante o ano letivo, são experts em expor a necessidade de conscientização de luta frente as desigualdades sociais. Mas engessa-se o conhecimento, como se o que aquilo que aprendemos na escola durante as aulas não tivesse uma relação prática. (Eis outro tema rico de discussão).
 Espero que esta greve de 2020, proporcione reflexões práticas, para pensarmos em estratégias que minimizem os conflitos sociais, dos jogos de interesse na sociedade. A greve bem articulada, programada, feita com os meios necessários e as ferramentas a partir de propostas que promovam o bem comum da comunidade que greva, favorece meios para que esta fixe seus objetivos propostos, chegando as metas e possa promover uma reflexão as demais classes que não são privilegiadas com estes mecanismos de combate.
A nós professores substitutos cabe a leitura, reflexão, debate, senso de criticidade real sobre os interesses colocados desde os ambientes de emprego, como na política vigente, ou seja, entender que jogos de interesses existem tanto nos espaços micros como macros de uma sociedade plural, contraditória e pós moderna que direciona o indivíduo para a angustia, egoísmo e individualismo constante.  

     
                  
Bibliografia:


BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Tradução Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999b.

CASTRO, Ana Maria (Org.). Introdução ao Pensamento sociológico. São Paulo, 2001.

FIGUEIREDO, Cláudio. Entre sem Bater: a vida de Apparício Torelly, o Barão de Itararé. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2012.

Greve. https://www.dicio.com.br/greve/. Acessado em 14 de fevereiro de 2020.

Orwell, 1945] ORWELL, G., A Revolução dos Bichos, São Paulo: Círculo do Livro, 1945.

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