Texto: Ricardo de Moura Borges - Professor de Filosofia e Artes.
A
representação do cotidiano é dada pela percepção daquele que observa e este tem
o poder de transmitir para os demais. É como um quadro que foi desenhado por um
artista, para ele há um significado na obra e uma beleza, bastante expressiva,
na sua arte. Algumas pessoas conseguem enxergar, assim como artista, mas muitos
não conseguem. Então, chegamos à ideia de que, existem pessoas que aceitam a
realidade tal qual está no quadro, já outros, desconsideram e a ponderam
levando em consideração sua riqueza, mas destacando a possibilidade de outras
formas de representação do real. Diante desse fato, acreditamos que homem
contemporâneo olha para um acontecimento passado com os olhos do hoje. Assim
destaca Certeau:
O cotidiano é aquilo que nos é dado
cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos pressiona dia após dia, nos oprime,
pois existe uma opressão do presente. Todo dia, pela manhã, aquilo que
assumimos, ao despertar, é o peso da vida, a dificuldade de viver, ou de viver
nesta ou noutra condição, com esta fadiga, com este desejo. O cotidiano é
aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior. É uma história a meio
de nós mesmos, quase em retirada, às vezes velada. Não se deve esquecer este
“mundo memória”, segundo a expressão de Péguy. É um mundo que amamos
profundamente, memória olfativa, memória dos lugares da infância, memória do
corpo, dos gestos da infância, dos prazeres. Talvez não seja inútil sublinhar a
importância do domínio desta história "irracional” ou desta
“não-história”, como o diz ainda A. Dupront. O que interessa ao historiador do
cotidiano é o invisível.. ( Certeau 1996,p.31).
Assim o espaço da memória
destacada pelo autor tem significado importante tanto para quem constrói a narrativa
histórica de um determinado acontecimento, como para aqueles que recebem tal
informação e começam a fazer parte da memória coletiva. Então, se a construção
do Piauí é dada por um tempo e um espaço e este é marcado pela memória daqueles
que viveram em tal lugar, cabe destacar a necessidade de uma construção
cultural. Sendo assim, é fundamental enfatizarmos, que não apenas os
estereótipos de pobreza, seca e miséria sejam destacados, mas também a sua
construção como identidade fundante, não apenas pela economia, cultura e
política; mas também marcado de um espaço de poder e linguagem. Assim destaca
Durval Muniz:
O Nordeste não é um fato
inerte na natureza. Não está dado desde sempre. Os recortes geográficos, as
regiões são fatos humanos, são pedaços de história, magma de enfrentamentos que
se cristalizaram, são ilusórios ancoradouros da lava da luta social que um dia
veio à tona e escorreu sobre este território. O Nordeste é uma espacialidade
fundada historicamente, originada por uma tradição de pensamento, uma
imagística e textos que lhe deram realidade e presença. (ALBUQUEQUE, 2011,
p.79).
A característica mais difundida do homem nordestino é que ele é rústico,
pobre e miserável, vendendo em um lugar, castigado pela seca. É o que vemos diariamente na mídia, quando se
refere as cidades nordestinas. Faltando muitas vezes, por parte da mídia, uma
investigação mais precisa, de como o povo nordestino é trabalhador e guerreiro,
e nossas cidades são repletas de belezas.
A identidade piauiense e dos demais nordestinos possui algumas
diferenças. A assertiva do autor ao destacar o poder e a linguagem para a
construção do nordeste marca também a construção do Piauí, mas é necessário
destacar que cada um possui suas peculiaridades inerentes. As regiões piauienses
são diversificadas, cabendo destacar, por exemplo, a região de Picos, onde
existe abundância em água e de ótima qualidade, que confirma, a tese de que nem
todos os municípios do nordeste, sofrem pela falta de água. Outro exemplo é a
cidade de Paulistana que até hoje sofre com falta de água para abastecimento da
cidade e de lugares vizinhos.
O
grande problema é que existe um reducionismo que destaca o nascimento do
nordeste a partir da seca. Assim destaca Albuquerque:
Desde o início de seu
emprego, o termo “Nordeste” esteve fortemente relacionado com o fenômeno das
secas. Albuquerque Jr. chega a afirmar que: 48 o Nordeste é, em grande medida,
filho das secas; produto imagético discursivo de toda uma série de imagens e
textos, produzidos a respeito deste fenômeno, desde que a grande seca de 1877
veio colocá-la como problema mais importante desta área. (ALBUQUERQUE JR.,
2011, p. 68)
Todos
os anos é comemorado o dia do Piauí, no dia 19 de outubro e por diversas razões
acaba sendo mais um feriado do qual aproveitamos em casa, sendo que muitos não sabem o significado da data. Essa data é
significativa para relembramos o processo de Independência do Piauí. Ao
recordar o dia 7 de setembro de 1822, onde houve a Proclamação da Independência
do Brasil, devemos levar em conta, que um mês depois, no dia 19 de Outubro na
cidade de Parnaíba no Piauí, estava sendo proclamada a Independência desse
Estado.
Assim,
notamos que a Independência mostrou-se em um movimento comandado por aqueles
que tinham mais recursos, ou seja, a elite. Com a composição social da época, a
massa popular urbana e rural apesar do heroísmo de alguns enfrentamentos e
batalhas como por exemplo, a Batalha do Jenipapo em 1823, não estavam presentes
na composição do governo ascendente da época.
A própria Independência
de 1822 – embora contivesse em si o potencial de um movimento social de
envergadura – ao deixar intacta a escravidão e a estrutura fundiária
latifundista, de um lado, e por se valer da hipertrofia burocrática acarretada
pela transferência da corte portuguesa para o Brasil, de outro, manteve a
sociedade brasileira como “sociedade de poucos cidadãos” e conferiu ao novo
Estado nacional – e imperial – o mesmo caráter de um Estado bastante descolado
e sobreposto à sociedade. (MEDEIROS, 1995: 163).
Vale destacar que a Balaiada,
revolta popular ocorrida no Maranhão entre os anos de 1838 e 1841, teve como
iniciativa lutar pelos interesses dos menos favorecidos, contudo foi sufocada
pelo então governador da província Manoel de Sousa Martins, que procura
recursos de diversos setores para combater a Balaiada. Assim confirma Bonfim:
A Balaiada representará
os interesses marginalizados da sociedade imperial da época, lutando contra o
domínio do latifúndio em busca de mudanças na estrutura fundiária das
Províncias. Sua marca fundamental foi a grande violência das lutas, onde foram
devastados os rebanhos, as vilas e as benfeitorias das fazendas da região.
(BONFIM, 1995: 46).
Apenas no dia 30 de agosto do ano
de 1937, é que o dia 19 de Outubro, passou a ser feriado, através do projeto de
lei, número 176, apresentada pelo deputado José Auto de Abreu. Que está
apresentada assim:
Artigo
1º --- 19 de Outubro será feriado estadual.
Artigo
2º --- Nesta data anualmente serão promovidas comemorações cívicas nos
estabelecimentos de ensino e nos centros culturais do Estado com a colaboração
do governo.
Artigo
3º--- revogam-se as disposições em contrário. Publique-se e cumpra-se como lei
do Estado. Afrísio Lobão Veras Filho --- governador em exercício.
A importância do dia 19 de Outubro
é algo que muitas vezes é esquecida pelo próprio povo piauiense. É necessário
não apenas um estudo sobre tal data, mais a construção de uma problematização,
ao redor do fato histórico, para podermos entender como foi constituída,
construída e formada, para assim conhecermos nossas origens. Por outro lado,
cabe enfatizarmos que esta data é contestada por aqueles que defendem a Batalha
do Jenipapo como o “Grande” acontecimento em defesa da independência do Piauí
sendo uma Batalha de importante relevância para a história da identidade do
povo piauiense. Assim ficou o projeto de lei 38, de 26 de maio de 2008, que
estabelece:
Art. 1 Fica instituído como feriado
estadual o 13 de março data comemorativa da Batalha do Jenipapo.
Art. 2 Esta lei entra em vigor na data
de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Dessa forma percebemos que a história
não é neutra e tem sua intencionalidade, primeiro construída em cunho
positivista por aqueles que detinham tanto o “conhecimento”, mas os recursos
elitistas para se dizer o que deveria ser contado e depois uma história
problematizadora que destaca outras perspectivas de um determinado fato. Assim
a história do Piauí, carrega uma linguagem de poder em sua construção,
mostrando um mar aberto para outros olhares.
Bibliografia
ALBUQUERQUE
Jr., Durval Muniz de. A Invenção do
Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez. 2011.
BONFIM,
Washigton Luís de Sousa. Formação Política. In: Piauí: Formação – Desenvolvimento – Perspectiva. Halley,
Teresina, 1995.
CERTEAU,
Michel de. A invenção do cotidiano:
1, Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.
Lei
nº 176. Dia do Piauí. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/participe/cultura-na-camara/exposicoes-2014/copy_of_arquivos/batalha-do-jenipapo/view.
Acessado em: 10 de outubro de 2015.
MEDEIROS,
Antônio José. Movimentos Sociais. In:
Piauí: Formação – Desenvolvimento – Perspectiva. Teresina:Halley, 1995.
Projeto
de lei 38 de 26 de maio de 2008. Disponivel em: http://servleg.al.pi.gov.br:9080/ALEPI/sapl_documentos/materia/5195_texto_integral.
Acessado em 09 de outubro de 2015.
Imagem disponível em: http://imagens.us/datas/dia-do-piaui/index.php?imagem=dia-do-piaui%20(1).jpg
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