Contato, Genocídio e Resistências na América Latina
Ricardo de Moura Borges[1]
O presente texto fará uma reflexão
sobre a primeira parte do livro “As veias abertas da América Latina” de Eduardo
Galeano, aonde o mesmo apresenta como o continente americano foi explorado
pelos Europeus após a descoberta em 1492 e que depois de três anos após o
descobrimento, Cristóvão Colombo organizou uma campanha militar que matou
milhares de índios da Ilha Dominicana, e alguns dos que sobraram, acabaram
sendo vendidos como escravos. Além da crueldade dos Europeus contra os
escravos, na qual produziu genocídios na sociedade, bem como exploração dos
seres humanos e precárias condições de vida.
Sendo que a ocupação dos Europeus era uma espécie de junção da
propagação da fé cristã e a busca por riquezas nativas. Porém buscaremos nesse
texto apresentar também uma analise da obra de Tzvetan Todorov: “A conquista da
América. A questão do outro” capitulo III, obra que apresenta a relação do “Eu
com o Outro”, e que é manifestada através da ideia de grupo social, enfatizando
o encontro dos Espanhóis com os indígenas, bem como o posicionamento de outros
autores.
De ante disso, Vespúcio (2003, p.175) em uma de suas
cartas enviadas a Lorenzo de Medici afirma que:
Não tem lei, nem fé
nenhuma. E vivem segundo a natureza. Não conhecem a imortalidade da Alma, não
têm, entre ele bens próprios, porque tudo é comum: não têm limites de Reinos, e
de Províncias; não têm Rei; não obedecem a ninguém. Cada um é senhor de si; nem
favor , nem graça a qual não lhes é necessária, porque não reina entre eles a
cobiça: moram em comum em casas feitas à moda de cabanas muito grandes, e para
gente que não têm ferro, nem outro metal qualquer, se pode dizer que suas
cabanas, ou casas maravilhosas, porque eu vi casas que são longas 220 passos, e
larguras 30, e habilmente fabricadas, e numa destas casas estavam 500, ou 600
almas.(...). As suas comidas raízes de ervas e frutas muito boas, inúmeros
peixes, grande abundancia de mariscos e caranguejos, ostras, lagostas e
camarões, e muitas outras coisas que produz o mar.
A América é uma grandiosa
região onde no passado foi moradia para importantes civilizações que pode
facilmente ser comparadas com outras da Eurásia e da África que se
desenvolveram na mesma época. Para os europeus essas civilizações eram
consideradas barbaras, pois não seguiam os costumes e as tradições europeias. Dentre
esses povos se destacam: Maias, Incas e Astecas, e outros que se podem
caracterizar como nômades e seminômades. Essas sociedades se diferenciaram em
diversos aspectos culturais, porém o que tiveram em comum foi às atrocidades
sofridas, executadas pelos europeus, que praticaram maus tratos e trouxeram
doenças, dizimando quase por completo essas civilizações. Porém, tais maldades
ocorridas nas novas terras, podem ultrapassar o número de mortes advindo dos intensos
e duradouros embates travados dentro do processo de transformações sociais
acontecidos no século XX.
Porém, merece destaque neste trabalho o
“Canto triste asteca” que revela a visão indígena da conquista, Pinsky (1989,
p.29-30):
Nos caminhos
jazem dardos quebrados; os cabelos estão espalhados. Destelhadas estão as
casas, incandescentes estão seus muros. Vermes abundam por ruas e praças, e as
paredes estão manchadas de miolos arrebentados. Vermelhas estão as águas como
se alguém as tivesse tingindo, e se as bebíamos, eram água de salitre.
Golpeávamos os muros de adobe em nossa ansiedade e nos restava por herança uma
rede de buracos. Nos escudos esteve nosso resguardo, mas os escudos não detêm a
desolação(...).
No primeiro livro a ser analisado, o autor Galeano (2010, p.10)
apresenta com clareza toda a essência da sua obra, que foi a descoberta da
América e aponta com clareza o genocídio que houve na América para beneficiar o
crescimento dos países Europeus envolvidos nas Grandes Navegações.
A divisão internacional do trabalho
significa que alguns países se especializam em ganhar e outros em perder. Nossa
comarca no mundo, que hoje chamamos América Latina, foi precoce: especializou-se
em perder desde os remotos tempos em que os europeus do Renascimento se
aventuraram pelos mares e lhe cravaram os dentes na garganta. Passaram-se os
séculos e a América Latina aprimorou suas funções. Ela já não é o reino das
maravilhas em que a realidade superava a fábula e a imaginação era humilhada
pelos troféus da conquista, as jazidas de ouro e as montanhas de prata. (...) É
a América Latina, a região das veias abertas. Do descobrimento aos nossos dias,
tudo sempre se transformou em capital europeu ou, mais tarde, norte-americano,
e como tal se acumulou e se acumula nos distantes centros do poder. Tudo: a
terra, seus frutos e suas profundezas ricas em minerais, os homens e sua
capacidade de trabalho e de consumo, os recursos naturais e os recursos humanos.
Quando
os Europeus chegaram à América e perceberam que na terra já havia habitantes, “o
homem branco” transformou a vida dos nativos em um caos. Pois os mesmos foram
surpreendidos pela violência física, moral e psicológica. Muitos desses se suicidavam, outros se
renderam a dominação Europeia sendo explorados e obrigados a deixar suas
crenças religiosas e aceitar a imposição europeia de que era preciso ser
civilizado e para isso acontecer, deveria se seguir o catolicismo, “A Espada e
a cruz marchavam juntas na conquista e no butim colonial” Galeano (2010, p.
40).
Segundo Montaingne (1984,p.25):
(...) não
vejo nada de bárbaro ou selvagem no que dizem daqueles povos; e, na verdade,
cada qual considera bárbaro o que não se pratica em sua terra. (.) Não me
parece excessivo julgar bárbaros tais atos de crueldade [o canibalismo] , mas
que o fato de condenar tais defeitos não nos leve à cegueira acerca dos nossos.
Estimo que é mais bárbaro comer um homem vivo do que o comer depois de morto; e
é pior esquartejar um homem entre suplícios e tormentos e o queimar aos poucos,
ou entregá-lo a cães e porcos, a pretexto de devoção e fé, como não somente o
lemos mas vimos ocorrer entre vizinhos nossos conterrâneos; e isso em verdade é
bem mais grave do que assar e comer um homem previamente executado. (...)
Podemos portanto qualificar esses povos como bárbaros em dando apenas ouvidos à
inteligência, mas nunca se compararmos a nós mesmos, que os excedemos em toda
sorte de barbaridades.
Os Europeus se destacaram pela sua
crueldade perante os indígenas, sendo que há poucos registros que enfatizam
esse massacre, porém Las Casas (1985, p. 40) afirma que:
Os
espanhóis, com seus cavalos, suas espadas e lanças começaram a praticar
crueldades estranhas; entravam nas vilas, burgos e aldeias, não poupando nem as
crianças e os homens velhos, nem as mulheres grávidas e parturientes e lhes
abriam o ventre e as faziam em pedaços como se estivessem golpeando cordeiros
fechados em seu redil. Faziam
apostas
sobre quem, de um só golpe de espada, fenderia e abriria um homem pela metade, ou
quem, mais habilmente e mais destramente, de um só golpe lhe cortaria a cabeça,
ou ainda sobre quem abriria as entranhas de um homem de um só golpe. Arrancavam
os filhos dos seios da mãe e lhes esfregavam a cabeça contra os rochedos [...]
Faziam certas forcas longas e baixas, de modo que os pés tocavam quase a terra,
um para cada treze, em honra e reverência de Nosso Senhor e de seus doze
Apóstolos (como diziam) e deitando-lhes fogo, queimavam vivos todos os que ali
estavam presos. Outros, a quem quiseram deixar vivos, cortaram-lhes as duas
mãos e assim os deixavam.
Por
tanto, é evidente que a luta era desigual entre índios e Europeus, pois os
Europeus levavam vantagem militar nos confrontos, mas a superioridade de
armamentos Europeus não pode justificar sua superioridade sobre os indígenas,
pois estes eram superiores em quantidade, perante aqueles. Porém, deve-se levar em conta outro elemento
bastante significativo na destruição dos povos indígenas: as doenças
contagiosas trazidas pelos povos Europeus, pois grande parte morreu vítima de
doenças, como sarampo, tifo, coqueluche, varíola e gripe. Essas doenças eram
letais para os nativos que não possuíam resistência imunológica contra elas.
Com isso, a população de índios, foi bastante reduzida ao longo dos anos.
Assim Galeano (2010, p.41) aponta
que:
A economia colonial latino-americana valeu-se da
maior concentração de força de trabalho até então conhecida, para tornar
possível a maior concentração de riqueza com que jamais contou qualquer
civilização na história mundial.
Aquela violenta maré de cobiça, horror e bravura não se abateu sobre essas
comarcas senão ao preço do genocídio nativo: investigações recentes melhor
fundamentadas atribuem ao México pré-colombiano uma população que oscila entre
25 e 30 milhões, e se calcula que havia um número parecido de índios na região
andina; na América Central e nas Antilhas, entre dez e treze milhões de
habitantes. Os índios das Américas
somavam não menos do que 70
milhões, ou talvez mais, quando os conquistadores estrangeiros apareceram no
horizonte; um século e meio depois
estavam reduzidos tão só a 3,5 milhões.
No início,
após o descobrimento, os principais interesses dos Europeus era busca por
metais, tudo que foi encontrado na América, era repassado para Europa, particularmente
foi encontrada a prata, em Potosí (Bolívia) e o ouro, na cidade de Ouro Preto,
Minas Gerais (Brasil). “Francisco Tavares de Brito, em 1732 definia Ouro Preto
como “a Potosí de ouro (...)”, “Minas Gerais entrou assim, impetuosamente, na
história: a maior quantidade de ouro então descoberta no mundo foi extraída no
menor espaço de tempo” Galeano (2010, p.53-54). Por causa desse interesse a
maioria dos índios foram os primeiros a serem escravizados pelos Europeus. Segundo Boris Fausto, (1996, p.20):
É difícil analisar a sociedade e os costumes
indígenas, porque se lida com povos de cultura muito diferente da nossa e sobre
a qual existiram e ainda existem fortes preconceitos. Isso se reflete, em maior
ou menor grau, nos relatos escritos por cronistas, viajantes e padres, especialmente
jesuítas. Existe nesses relatos uma diferenciação entre índios com qualidades positivas
e índios com qualidades negativas, de acordo com maior ou menor grau de resistência
oposto aos portugueses. Por exemplo, os aimorés, que se destacaram pela eficiência
militar e pela rebeldia, foram sempre apresentados de forma desfavorável. De acordo
com os mesmos relatos, em geral, os índios viviam em casas, mas os aimorés
viviam como animais na floresta. Os tupinambás comiam os inimigos por vingança;
os aimorés, porque apreciavam carne humana. Quando a Coroa publicou a primeira
lei em que se proibia a escravização dos índios (1570), só os aimorés foram
especificamente excluídos da proibição.
Diante
disso, é notório o interesse da Coroa Portuguesa em dizimar os povos que
habitavam o Brasil no inicio dos anos de 1500, seno que alguns tentaram
resistir à dominação europeia, mas eram impiedosamente perseguidos. Porém, é
importante destacar que diferente da América hispânica, o Brasil não possuía
civilizações indígenas organizadas, apenas grupos selvagens que não conheciam
os metais preciosos tão desejados pelos Europeus, então estes exterminaram
diversos indígenas brasileiros para conseguirem descobrir os lugares onde havia
aluviões de ouro no território.
Segundo Galeano, (2010, p. 42)
Em
três séculos, a montanha rica de Potosí apagou, segundo Josiah Conder, 8
milhões de vidas. Os índios eram arrancados das comunidades agrícolas e, com a
mulher e os filhos, impelidos rumo à montanha. De cada dez que eram levados
para os altos paramos gelados, sete jamais voltavam. Luis Capoche, que era dono
de minas e de engenhos, escreveu que
“estavam
os caminhos tão povoados que parecia que o reino inteiro ia embora”. Nas comunidades,
os indígenas tinham visto “voltar muitas mulheres aflitas, sem seus maridos, e muitos
filhos órfãos, sem seus pais” e sabiam que na mina os esperava “mil mortes e desastres”.
Havia nas
colônias recém-descobertas a propagação da fé cristã a todos os povos nativos,
diante disso, muitos indígenas receberam a proteção dos padres jesuítas que se
instalaram nas colônias da América a fim de catequizar as tribos indígenas,
transformando eles em homens civilizados a qualquer custo, assim era feito de
tudo para atingir esse objetivo. Porem aqueles índios que se negavam a
dominação jesuítica de catequização eram perseguidos pelos tribunais de
inquisição que era um tipo de processo punitivo contra as pessoas acusadas de
crime contra a fé cristã.
Assim
afirma Silva Filho (2003, p. 291):
Se
o assassinato religioso foi um sacrifício, o massacre foi um assassinato ateu,
inventado ou reinventado pelos espanhóis. As fogueiras da inquisição parecem-se
mais com os sacrifícios. Certamente, os massacres são uma marca registrada da
modernidade: ‘A barbárie dos espanhóis nada tem de atávico, ou de animal, é bem
humana e anuncia a chegada dos tempos modernos.
Porém era
necessária uma mão de obra barata para desenvolverem e explorarem as terras em
busca de metais preciosos foi então que houve o comercio de escravos africanos
para trabalhar nas colônias, os mesmos eram trazidos através do sistema de
tráfico negreiro, um comércio escravista realizado pelos Europeus desde o
século XVI, que reunia interesse de grupos escravistas da África, Europa e
América, que necessitavam da mão de obra escravista para trabalhar nas
lavouras, nas minas e em todo processo de exploração das colônias.
Assim
afirma Galeano (2010, p. 55)
Os escravos gastavam suas forças e seus dias nas lavagens do ouro.
“Ali trabalham, ali comem”, escrevia Luis Gomes Ferreira, “e ali, geralmente,
tem de dormir; e como ao trabalhar ficam banhados de suor enquanto os pés se
esfriam nas pedras ou na água, quando descansam ou comem seus poros se fecham e
congelam de tal forma que eles se tornam vulneráveis a muitas enfermidades
perigosas, como as bem severas pleurisia, apoplexia, convulsões, paralisia,
pneumonia e muitas outras.” A doença era uma bênção do céu que aproximava a
morte. Os capitães de mato recebiam recompensas em ouro por cada cabeça cortada
de escravo fugitivo.
Os escravos africanos eram chamados
de “peças das Índias” Coltrim (2013,p.266), pois eram pesados e medidos, sendo
que no Brasil, eram considerados os pés e as mãos do homem branco. Em Minas
Gerais vinham negros de Whydah, uma pequena praia da Costa do Guiné, pois eram
considerados os tipos mais habilidosos para descobrirem ouro.
É importante destacar que
boa parte dos metais explorados na América Latina servia para enriquecer os
países Europeus envolvidos no processo de expansão colonial, que desejam a
qualquer custo enriquecer seus territórios. “A América era um negócio europeu”
Galeano (2010, p. 45). Os colonizadores que vieram explorar as terras, ficavam
com valores insignificantes e se desfaziam desses lucros facilmente, pois não
havia ideia de progresso dentro das colônias. Galeano (2010, p. 41), aponta que
o desejo por metais preciosos foi o que motivou o genocídio ocorrido na
América.
A prata e o ouro da América, no dizer
de Engels, penetraram como um ácido corrosivo em todos os poros da moribunda
sociedade feudal na Europa, e ao serviço do nascente mercantilismo capitalista
os empresários mineiros converteram indígenas e escravos negros num
multitudinário “proletariado externo” da economia europeia. A escravidão
greco-romana ressuscitava nos fatos, num mundo distinto; ao infortúnio dos
indígenas dos impérios aniquilados na América hispânica deve-se somar o
terrível destino dos negros arrebatados às aldeias africanas para trabalhar no
Brasil e nas Antilhas.
O autor enfatiza que na divisa de Lima e Prata
aonde viveram mais de dois milhões de índios, o aniquilamento da população
indígena foi quase 100% pois em 1685, em média, restavam quatro mil famílias
indígenas, e que de acordo com o autor, o arcebispo Liñán y Cisneros afirmavam
que jamais houve aniquilamento da população nativa, e que os mesmos fugiam das
terras para não pagarem tributos aos colonizadores. Havia uma alternância de
regras para a exploração do trabalho indígena, aparentemente, pois na prática a
cada dia, os nativos estavam sendo eliminados da terra.
Galeano (2010, p.41-42), enfatiza
que:
A ficção da legalidade amparava o índio; a exploração da realidade
o dessangrava. Da escravidão à servidão, do trabalho forçado ao regime de
salários, as variantes da condição jurídica da mão de obra indígena só
alteravam superficialmente a situação real. A Coroa considerava tão necessária
a exploração desumana da força de trabalho aborígine que, em 1601, Felipe III
ditou regras proibindo o trabalho forçado nas minas e, ao mesmo tempo, enviou
instruções secretas, ordenando que fosse continuado “se aquela medida afetasse
a produção”. Do mesmo modo, entre 1616 e 1619, o visitador e governador Juan de
Solórzano fez uma investigação sobre as condições de trabalho nas minas de
mercúrio de Huancavélica: “(...) o veneno penetrava na pura medula, debilitando
os membros todos e provocando um tremor constante, morrendo os operários,
geralmente, após quatro anos”, informou ao Conselho das Índias e ao monarca.
Mas em 1631, Felipe IV ordenou que se continuasse com o mesmo sistema, e seu
sucessor, Carlos II, tempos depois renovou o decreto. Essas minas de mercúrio
eram exploradas diretamente pela Coroa, diferentemente das minas de prata, que
estavam nas mãos de empresários privados.
Na
obra de Tzvetan Todorov, “A conquista da América: a questão do outro”, no
capitulo “Amar” o autor vai abordar de maneira especial o modelo de
superioridade adotado pelos Europeus no início da colonização da América,
modelo este que os mesmos defendiam como o correto a ser seguido, era como se
os Europeus fossem Deuses e que suas ideias eram as únicas verdades e que eles
eram indestrutíveis. Pois os mesmos, eram os detentores dos melhores e mais
sofisticados armamentos e os mais habilidosos estrategistas de guerra, e os
índios eram considerados a raça inferior, que possuíam apenas armamentos de madeira.
Porém, o mesmo aponta como os espanhóis destruíram a civilização asteca e como
assimilaram essa civilização, fazendo surgir uma nova cultura mestiça uma
mistura de índios e espanhóis.
O autor aponta que o genocídio
indígena na América no século XVI aconteceu de dois modos: quantitativo e
qualitativo. E que na realidade não há estatísticas atuais do número de
indígenas desaparecidos no início da colonização da América. Alguns historiadores propõem números para
calcular a destruição dos índios, Las Casas diz “cem mil” ou “um milhão”
Todorov (1999,p.157). Sendo que é quase impossível um cálculo preciso da
quantidade de índios que foram dizimados da América, pois nenhum dos grandes
massacres ocorridos no século XX, pode se comparar ao genocídio do início da
colonização da América, tanto dos índios quanto dos negros.
Assim afirma Todorov (1999, p. 158):
É um
recorde, parece-me, não somente em termos relativos (uma destruição da ordem de
90% e mais), mas também absolutos, já que estamos falando de uma diminuição da
população estimada em 70 milhões de seres humanos. Nenhum dos grandes massacres
do século XX pode comparar-se a esta hecatombe. Compreende-se o quanto são vãos
os esforções feitos por alguns autores para se dissipar o que é chamado de
“lenda negra”, estabelecendo a responsabilidade da Espanha nesse genocídio e
manchando assim sua reputação.
Diante
disso, o autor examina a destruição dos índios no plano qualitativo afirmando
que a Espanha foi a principal responsável pela segunda e pela terceira forma de
morte dos indígenas, na qual ele destaca que os maus tratos impostos pelos
espanhóis nas minas não eram a única forma de sofrimento, pois com desejo de
enriquecer, os europeus impunham condições
de trabalho desumanas para os indígenas sem haver o menor interesse pela
saúde deles, sendo que em média um indígena que trabalhasse nas minas vivia
cerca de 25 anos. Além disso, os mesmos eram obrigados a pagar altos impostos
aos colonizadores. Esses impostos eram tão elevados que muitas pessoas eram
obrigadas a vender suas terras, e muitas vezes nem conseguiam pagar, o que
levou muitas vilas a ficarem totalmente despovoadas. Sendo assim, a escravidão
provocou diminuições significativas da população da América.
Todorov afirma que frei Motolinia,
um antigo membro do grupo franciscano que chegou ao México em 1523, fez um
comparativo da chegada dos europeus a América com as pragas do Egito citadas na
Bíblia, porém essa afirmação se torna realista nos primeiros anos da chegada
dos europeus ao México afirmando que estes são os responsáveis por as “pragas”
que castigaram essa colônia.
Segundo Todorov (1999, p.162-165):
A
primeira praga foi a varíola, trazida por um soldado de Narvaez (...). A segunda praga foi o numero dos que morreram
quando da conquista da nova Espanha, particularmente nos arredores da cidade do
México (...). A terceira praga foi uma grande fome que se abateu imediatamente
após a tomada da cidade do México (...). A quarta praga foi a dos calpixques, ou fiscais, e dos
negros(...). A quinta praga foi a dos impostos elevados e os serviços devidos
pelos índios (...). A sexta praga foram as minas de ouro. Seria impossível
contar o numero de escravos índios que ate agora morreram nessas minas (...). A
sétima praga foi a construção da grande cidade do México. Quando da construção
alguns eram esmagados por vigas, outros caiam do alto, outros ainda eram
enterrados pelos edifícios que eram demolidos num local para serem
reconstruídos em outros(...). Muitos índios ali morreram.(...). Na oitava praga
foram os escravos que eram jogados nas minas(...). A nona praga foi o serviço
das minas, para qual os índios, carregando muito peso, andavam 70 léguas ou
mais para trazer provisões (...). Na decima praga, foram as divisões e facções
que existiam entre os espanhóis no México.
Por
outro lado, o autor aborda a destruição dos índios no aspecto qualitativo como
uma forma impressionante e moderna da destruição desses povos no qual o autor
cita relatos de testemunhas oculares para enfatizar o genocídio ocorrido,
destacando que muitas crianças eram arrancadas dos braços de suas mães e jogas
a cachorros na frente delas para que morressem, e muitos recém-nascidos não podiam chorar na frente de
um europeu que os mesmos pegavam-nas e jogavam contra as rochas ou as lançavam
no mato para que acabassem de morrer. Além disso, muitos colonizadores abusavam
das índias, até mesmo aquelas que tinham companheiros.
Como aponta Todorov (1999, p. 167):
Enquanto
o contra mestre ficava na cabana ou choça com a índia, mandava o marido extrair
ouro nas minas; e à noite, quando o infeliz voltava, não somente o cobria de
golpes ou chicoteava-o por não ter trazido quantidade suficiente de ouro, como
também, muito frequentemente, amarrava seus pés e mãos e jogava-o pra baixo da
cama como um cão, antes de deitar-se, bem em cima com sua mulher.
Em vista dos assuntos
apresentados podemos afirmar que, os autores fazem uma importante analise sobre
o genocídio que dizimou milhares de pessoas no início da colonização. E que o
crescimento de alguns países superpotentes desde muito tempo, está ligado à
exploração de regiões em desenvolvimento. Sendo que os diversos autores aqui
citados fazem um relato sobre a exploração dos diversos países da América
latina pelos Europeus narrando fatos que corriqueiramente são deixados em
segundo plano pela História Global, e destacando o desenvolvimento histórico do
processo de formação sociocultural desses países, bem como, por exemplo, o
grande massacre populacional ocorrido na América no período colonial pelos
Europeus, enfatizando o choque entre o conquistador e os povos indígenas, além
do modo que aconteceu a aculturação dos índios. Pois o processo de conquista
aconteceu de forma bélica ou militar e de dominação cultural. Foi um
acontecimento contínuo e lento, que durou vários séculos, e que grande parcela
da população da América foi dizimada. Sendo assim, muitos historiadores
destacam como um dos períodos mais violentos da história da humanidade.
REFERÊNCIAS
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FAUSTO, Boris. História do Brasil: História
do Brasil cobre um período de mais de quinhentos anos, desde as raízes da
colonização portuguesa até nossos dias. São Paulo: Edusp,1996.
GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Porto Alegre, RS: L&PM,
2010.
LAS CASAS, Bartolomé
de. O paraíso destruído: brevíssima relação da destruição das Índias. 6ª
ed. Porto Alegre: L&PM, 1996.
MONTAIGNE, Michel
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PINSKY, Jaime. História da América através de textos.
São Paulo: Contexto,1989.
SILVA FILHO, José
Carlos Moreira. Da ‘invasão’ da América aos sistemas penais de hoje: o discurso
da ‘inferioridade’ latino-americana. In: WOLKMER, Antônio Carlos (org.).
Fundamentos de história do direito. 2ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
TODOROV,
Tzvetan. A Conquista da América. A
Questão do Outro. SP: Martins Fontes Editora Ltda, 1999.
VESPÚCIO, Américo. Novo
Mundo: as cartas que batizaram a América.
introdução e notas de
Eduardo Bueno. São Paulo: Planeta do Brasil, 2003.
[1] Graduado em Licenciatura em Filosofia pelo Instituto Católico de Estudos Superiores do Piauí - ICESPI. Teresina-PI. Graduando em História pela Universidade Federal
do Piauí, Campus Senador Helvidio Nunes de Barros, Picos-PI. Graduando em
Filosofia pelo Instituto Católico de Estudos Superiores do Piauí – ICESPI –
Teresina – PI.
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