segunda-feira, 31 de agosto de 2015

O que criam os filósofos? Como funcionam?


O que criam os filósofos? Como funcionam?
O que fazem os filósofos? Como nascem e crescem nossas teorias?
Poderia Deus ter feito Adão senão do barro? Não! A tecnologia mais alta dos tempos das Escrituras Sagradas dos Hebreus era a da cerâmica. Deus não usaria uma tecnologia de segunda para fazer algo que ele gostaria que fosse de primeira. Analogamente, Marx poderia ter se referido à organização da sociedade com outra expressão senão pela dupla “estrutura” e “superestrutura”? Muito difícil fazer diferente! A mais alta tecnologia de construção, no século XIX, eram as das “estruturas de ferro e vidro”, tendo o ferro como base e o vidro como uma cobertura. Por que Marx usaria expressões em sua teoria que não fossem as mais exemplares da época?
Pensamos pelas palavras. Nossas teorias dependem de nossa construção linguística e nossa construção linguística depende de nossas escolhas que fazemos ao transferir vocabulários de um lado para outro, ou criar vocabulários quando só a transposição não serve.
A cerâmica não é um trabalho que envolve uma tecnologia de ponta. Não está “na jogada”. Deus hoje não faria o homem de barro, de modo algum. Marx veria a sociedade talvez mais afinada com aparatos computacionais que com disposições arquitetônicas. Judaísmo e marxismo seriam hoje bem diferentes. Caso pudessem ser gerados fora de seu tempo, e se pudéssemos ainda falar em judaísmo e marxismo fora de seu tempo, seriam doutrinas necessariamente diferentes, pois usariam de vocabulários outros, que fariam a própria teoria seguir outro rumo. Pensamos em engenharia genética ao falarmos de criação do humano. Pensamos em computação e programação avançadas quando falamos em sociedade.
As transições entre o literal e o metafórico e vice versa nos dão nossa linguagem não apenas como limite do nosso mundo (Wittgenstein), mas como o conteúdo dele (Rorty/Davidson). Pensamos, teorizamos, vislumbramos, imaginamos, projetamos segundo as possibilidades de nossa linguagem. E o espaço lógico em que a linguagem se dispõe, em cada tempo e lugar, depende do que fazemos em cada tempo e lugar e como escolhemos chamar tal e tal coisa. Depois, as redesterritorializações dos termos fazem o resto.
A produção de novos vocabulários funciona em nossas teorias de todo tipo, inclusive, é claro, nas doutrinas morais. Não só funciona, trata-se da constituição delas, pois dá todo o horizonte que podemos ter e nos fornece o conteúdo do que encaixamos no que chamamos de mundo.
Essa é uma lição que Richard Rorty insistiu em deixar registrada, e algo que Peter Sloterdijk nota e pratica de modo exímio.
A ideia de colocar as esferas como nomes que devem ganhar relevância para uma narrativa ontológica geral não é um bom exemplo? Bolhas, globos e espumas, escolhidos por Sloterdijk, dizem muito. São nomes ligados à nossa importância recente dada ao ar e às água, mais do que para a arquitetura ou para a tecnologia cerâmica ou outra parecida. Nossa consciência ecológica evoluiu muito e os temos ligados aos fenômenos de mais poluição e menos poluição estão se ampliando. É significativo que Sloterdijk os tenha escolhido. E o fez propositalmente, pensando exatamente nisso que estou falando. Quando lemos os volumes com esses títulos nos convencemos que foi uma boa escolha. Ora, mas nos parece uma boa escolha também porque os termos vão soar condizentes com os fenômenos ligados a quem tem preocupações ecológicas como nós temos atualmente.
Um filósofo é um criador antes de metáforas que de conceitos. E o forjador antes de novos jogos de linguagem que de teorias. É alguém que fareja o que é para o homem dizer que vive em tal lugar, de modo a ver se ele terá de transladar de lugar ou não e, se sim, poder ajuda-lo nisso.
Paulo Ghiraldelli, 57, filósofo
Disponível em: http://ghiraldelli.pro.br/filosofos-sao-criadores/

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