sábado, 31 de outubro de 2015

A FILOSOFIA EM DEAD POETS SOCIETY

Por: Ricardo de Moura Borges

     Em uma sociedade marcada pelo desenvolvimento científico e tecnológico é indispensável que se formem bons cidadãos para as “melhores” carreiras do mercado, portanto em um colégio interno estão matriculados futuros médicos, engenheiros, juízes, arquitetos entre outras profissões.  O ano era 1951, a escola, um internato de Welton onde ficam apenas homens, que devem desenvolver o melhor de si nas disciplinas e os professores devem reproduzir o conhecimento adquirido e fazer com que os alunos obtenham o máximo de conhecimento do livro. Assim os alunos não necessitam e nem podem questionar o método de ensino, mas devem absorver e  estudar, tendo em vista que o futuro deles já teria sido planejado, ou seja, agora o importante é assimilar os conteúdos. Diante disso o filosofo Platão nos ensina:

Se, pois, nos ativermos o que ficou dito, convencidos de que nossa alma é imortal e por natureza capaz de todos os bens e de todos os males, andaremos sempre pelo caminho que conduz ao céu e nos devotaremos com todas as forças à prática da justiça e da sabedoria. Assim fazendo viveremos em paz conosco e uns com os outros e com os deuses; e, depois de haver conseguido nesta vida o prêmio destinado à virtude, como os atletas vitoriosos que são levados em triunfo por todas cidades, seremos coroados na terra e fruiremos deliciosas alegrias nessa viagem de mil anos de que acabamos de falar (Platão, 1956, p. 450)..”

Dessa forma entendemos que a sociedade é a primeira preocupação para que haja uma perfeita consolidação de uma organização na prática escolar, ela exige uma educação voltada para o bem de todos os cidadãos, onde cada indivíduo é submetido a um ensino direcionado que possibilite desenvolver suas potencialidades em detrimento do bem comum. Platão nos ensina que a educação deve estar preocupada com a qualidade da formação dos cidadãos, a fim de se desenvolver uma sociedade justa e consequentemente, formar homens justos e virtuosos, ou seja, que controlassem suas paixões, formando cidadãos conscientes com uma capacidade de argumentação e participação diferentemente dos escravos, mulheres e crianças gregas que não tinham participação na cidade.  Assim Teixeira nos esclarece que:

A educação portanto torna-se coletiva. Não se trata mais de uma educação individual, no caso, de um preceptor, de uma educação grupal, aberta a coletividade. Essa mudança de um ensino individual para um ensino grupal vai exigir uma institucionalização da educação, já que a socialização da educação exigirá uma instituição correspondente que a coordene (Teixeira, 1999, p.17).

O ideal de Platão está implantado na escola, pois agora o mais importante para a educação não é o individual, mas o coletivo, ou seja, a sociedade que aguarda futuramente os melhores profissionais vindos do internato másculo. Mas o que acontece é uma cristalização contínua, onde os alunos devem estar sobre os quatro pilares da escola de Welton: Tradição, Honra, Excelência e Disciplina.
Por tradição entendemos como permanência e continuidade de uma doutrina, ou de conjuntos de valores, regras morais de uma instituição ou sociedade. No caso da escola podemos entender como um grupo social educacional que mantem vivos pela transmissão continua através de seus membros. Lembramos assim das aulas tradicionais do professor de latim, por exemplo, que ensina seus alunos usando o método da repetição. Diante disso, entendemos como comportamento humano baseado em princípios norteadores que visam o bem, tais como a dignidade e respeito adquirido pelo mérito e assim percebemos a honra estampada nos troféus e medalhas da escola de Welton.
A Excelência é algo elevado e perfeito, é o que entendemos quando observamos o prestígio da escola de Welton em ser uma das escolas referenciais, em qualidade de ensino, que prepara para seus alunos para os “melhores” cursos universitários.
A Disciplina é a submissão às regras e aos responsáveis pela escola para atingir um grau de conhecimento estipulado por estes. Aqui entendemos um conjunto relacionado, ou seja, um sistema de ensino que garante a perfeição direcionada para uma aprendizagem significativa.
Como os alunos estavam inseridos no século XIX e cada tempo marca sua forma de reprodução escolar é importante destacar que o modelo de intervenção do estado norte americano se estendeu pelo mundo. Assim nos esclarece Behring:

[...] aí estão os pilares teóricos do desenvolvimento do capitalismo pós-segunda guerra mundial. Ao keynesianismo agregou-se o pacto fordista – da produção em massa para o consumo de massa e dos acordos coletivos com os trabalhadores do setor monopolista em torno dos ganhos de produtividade do trabalho –, e estes foram os elementos decisivos, fortemente dinamizados pela guerra-fria e o armamentismo, da possibilidade político-econômica e histórica do Welfare State. E, as formulações sobre cidadania, num contexto de ampla utilização das estratégias fordistas-keynesianas, é paradigmática das transformações societárias deste período, em que o tema da política social ganha um novo estatuto teórico nas realidades concretas dos países, destacando-se o padrão de bem-estar social europeu. (BEHRING, 2000, p. 9-10).

Através dessa explicação entendemos que a família, a sociedade e as instituições estavam pautadas em um grande sistema, de desenvolvimento tecnológico e científico. Então, a família passou a ser insuficiente para a formação do indivíduo sendo necessária a implantação do Estado que garantisse educação para os indivíduos. Como bem ressalta Singly ao dizer que:
[...] A família moderna é uma instituição na qual os membros têm uma individualidade maior do que nas famílias existentes anteriormente. Essas divergências individuais se acentuam se consolidam e, como elas são os cernes da personalidade individual, esta vai necessariamente se desenvolvendo. Cada um constrói uma fisionomia própria, sua maneira pessoal de sentir e pensar. O fato dos indivíduos terem cada vez mais sua lógica própria tem como efeito diminuir o comunismo familiar, pois este supõe, ao contrário, a identidade, a fusão de todas as consciências em uma mesma consciência comum, que os envolve (SINGLY, 2007, p. 35).

É interessante ressaltar que o modo de repetição em sala de aula sofreu por uma deturpação, levando o tradicional como algo ruim para o aprendizado, contudo, existe uma expressão latina que diz: “A repetição é a mãe dos estudos”, no sentido de que esta ajuda a memorizar o que se quer aprender, a grande crítica a este tipo de ensino é o reducionismo, onde o professor seria o detentor dos conhecimentos e o aluno uma caixa vazia, que precisa ser completada por conhecimentos e saberes fora de sua realidade. Assim nos diz Paulo Freire:
O educador, que aliena a ignorância, se mantém em posições fixas, invariáveis. Será sempre o que sabe, enquanto os educandos serão sempre os que não sabem. A rigidez destas posições nega a educação e o conhecimento como processos de busca. O educador se põe frente aos educandos como sua antinomia necessária. Reconhece na absolutização da ignorância daqueles a razão de sua existência (FREIRE, 2005, p. 67).
           
            O professor, portanto é aquele que aproxima o aluno do conhecimento, pois isto é algo que está presente na vida dele, como nas relações familiares, na igreja e na relação com amigos. Por tanto, o conhecimento deve ser potencializado na escola para que o aluno seja um ser no mundo com uma visão ampla da realidade.
            Hoje, o que acontece em nossa história é a inserção de um novo professor que rompe com os métodos estabelecidos e assim provoca os alunos não a mais pensarem por meio da escola, livros, mas sim os leva uma libertação, onde a subjetividade deles torna-se uma característica fundamental para serem livres. Uma das cenas provocativas é quando o professor John Keating que foi um aluno da academia há muito tempo, direciona-os a uma expressão latina “carpie dien”, ou seja, a juventude fala, grita em nossas almas, e esta passa; provocando os alunos a questionarem sua existência e sua futura vida profissional, esta que nessa época era imposta pelos pais, escola e sociedade. Assim nos mostra Horácio:

Não pergunte, saber é proibido, o fim que os deuses darão a mim ou a você, Leuconœ; não brinque com os adivinhos da Babilônia. É melhor apenas lidar com o que se cruza no seu caminho. Se muitos invernos Júpiter lhe der ou se este, que agora bate nas rochas da praia com as ondas do mar Tirreno, for o último, seja sábio, beba o seu vinho e reerga suas esperanças para o curto prazo. Mesmo enquanto falamos, o tempo ciumento está fugindo de nós. Colha o dia, confie o mínimo no amanhã. (Horácio, 23 a.C, Liber Primus, XI).
           
            A expressão sugere viver o hoje de nossas vidas, procurando atingir a felicidade, colocando uma perspectiva de finitude onde o ser humano deve administrar o tempo para a realização em prol de felicidade continua e entender que o futuro pode ser incerto, cheio de possibilidade e incertezas. A escola estabelece caminhos seguros para uma sociedade forte e virtuosa como afirma Platão. Porém Horácio sugere que existe a imprevisibilidade e que a felicidade está no hoje de nossas vidas. Assim o professor John mostra outra forma de ver o mundo para os alunos e os instiga a ver essas outras formas, com metodologias bastante atrativas e que despertavam a curiosidade dos alunos.
            Quando os alunos estudam poesia, agora está mesclada na matemática, na métrica, ou seja, engessada e presa, impossibilitada da sensibilidade e criatividade, se tornando uma disciplina decorativa, repetitiva e possivelmente matemática. Assim encontramos no filme a seguinte passagem:

“Entendendo a Poesia de Pritichard P.H.D, "Para entender a poesia, precisamos primeiro ter fluência em seu meio, rima e expressões. Depois fazemos duas perguntas: O objetivo do poema foi representado com talento? Esse objetivo é importante?  "A primeira questão avalia a perfeição do poema, a segunda, sua importância. Assim que essas questões são respondidas, determinar a excelência do poema passa a ser relativamente simples.Se a perfeição do poema é marcada no eixo horizontal de um gráfico e a importância no eixo vertical, calcular a área do poema resulta na medida de sua grandeza." Uma breve pausa, Nalon Perry, o orador da sala, observa o gráfico na lousa e prossegue: "Um soneto de Byron pode tirar notas altas na vertical, mas ficar na média na horizontal." "Um soneto de Shakespeare, por outro lado, tiraria notas altas na vertical e na horizontal, resultando numa área gigantesca, assim revelando a verdadeira grandeza do poema".
"Ao prosseguirem com a poesia deste livro, utilizem esse método de avaliação. Com sua crescente habilidade em avaliar poemas, sua apreciação e compreensão da poesia crescerá." (Trecho do filme A Sociedade dos Poetas Mortos).
           
            Diante desse fato, o professor John Keating coloca um método novo para seus alunos, desafiando-os a rasgar o livro da escola de Evans Pritichard P.H.D. O fato de rasgar o livro mostra um significado de ruptura com a instituição que remete apenas a uma tradição dogmática, necessária, que deve ser marcada pela continuidade histórica para que haja desenvolvimento e crescimento de ambos: da instituição e do indivíduo que faz parte dela.
“(...) em princípio a theoria não deve ser pensada como um comportamento da subjetividade, como uma autodeterminação do sujeito, mas a partir daquilo que o sujeito está olhando. A theoria é verdadeira participação, não é atividade; é um sofrer (pathos), isto é, um ser atraído e dominado pela visão (...)” (Gadamer, 2007, p.192).
        

            A teoria parte de fora do sujeito, contudo, diferentemente dos alunos, os sujeitos participam pela admiração e problematização, sendo assim, possível uma nova configuração daquilo que se vê. Isso é nítido quando os alunos procuram saber quem é este professor que os provoca, que os fazem ver a realidade de cima de uma mesa, mostrando que o ponto de vista, é feito pelo observador, pelas aulas fora de sala de aula e até pelo assobio e o chamado de “Capitão, Meu Capitão”. Seria o capitão de um professor, ou um professor seria um capitão? O que distingue um do outro, o capitão orienta para um determinado fim, tal qual o professor demonstrando que o subordinado deve traçar caminhos para se atingir a meta.
            O professor John Keating mostra que as instituições são formadas pela cultura, pela história e assim somos sujeitos em um grande palco de teatro, diferente de marionetes que devem ser manipuladas de acordo com os desejos capitalistas dos pais ou o status social exposto pela sociedade, ou seja, os alunos não podem mais serem controlados como um objeto. Gadamer mostra que o teatro é um bom exemplo porque: 

É por isso que o palco teatral é uma instituição política de natureza única, porque somente na execução faz transparecer aquilo tudo que há no jogo, a que está aludindo, os ecos que desperta. Ninguém sabe de antemão qual será o resultado e o que irá se perder no vazio. Cada execução é um acontecimento, mas não um acontecimento que se oponha ou posicione ao lado da obra poética como algo autônomo; o que acontece no acontecimento da encenação é a própria obra (GADAMER 2007, p. 209).

A poesia agora se torna instrumento de libertação para os alunos, onde ao construírem a Sociedade dos Poetas Mortos, realizam suas reuniões em uma caverna. A caverna para Platão é o mundo das sombras, mas foi lá onde o homem por meio da razão e prática das virtudes, conseguiu se libertar. Agora os alunos leem poesias para libertarem sua subjetividade, sua maneira de pensar e agir no mundo. Assim coloca Heidegger enquanto ao mito da caverna:

O mito da caverna nos abre os olhos sobre o que, na história da parte da humanidade que recebeu a influência ocidental, constitui agora e constituirá ainda no futuro o acontecimento propriamente histórico. De acordo com a definição de verdade como exatidão da representação, o homem pensa tudo o que é segundo as idéias e aprecia toda realidade segundo os valores. O que de fato importa, o que é realmente decisivo, não é saber quais ideias e quais valores são estabelecidos e aceitos, mas antes, que, de um modo geral, o real é interpretado segundo idéias, e que o mundo é avaliado segundo valores (HEIDEGGER apud PLATÃO, 1996, p. 102).

A saída da caverna não foi fácil para aqueles aprisionados, tal qual no filme. A saída para outros paradigmas levou a consequências graves, de mesmo modo um aluno que descobre suas potencialidades no teatro e consegue conciliar a vida acadêmica obtendo as melhores notas a fim de chegar ao curso de medicina futuramente, encontrasse com um desejo de atuar em uma peça teatral, é algo fascinante sua atuação, seu desejo, seu fôlego e empenho na peça de teatro, contudo, os pais do jovem rapaz o tiram da escola, e repreendem não apenas a ação, mas o professor que implantou ideias novas para seu filho, a decisão se torna trágica porque o rapaz tem o mesmo fim daquele que se libertou e voltou para a caverna para libertar os demais. Pressionado, o jovem não pode mais viver o carpe diem e antecipa sua morte, ao pegar uma arma do pai e cometer o suicídio.
A culpa agora é de quem? Das estrelas, ou seja do destino? Claro que não. Agora a culpa tem nome e lugar, mas a escola não pode manchar seu nome, sua reputação, então é necessário que alguém seja culpado. Os professores que seguem uma prática tradicional? A instituição honrada e excelente? Não. O professor que instigou a Sociedade dos Poetas Mortos, que injetou nas veias dos alunos ideias novas de se ver o mundo. Este sim deve ser banido, expulso da escola.
Ao arrumar suas coisas, o antigo professor abre o livro de Evans Pritichard e diz para os alunos lerem a introdução dogmática, mas estes não tem mais as páginas do livro que foram rasgadas, a ruptura já aconteceu e mais uma vez, utilizando dos métodos do professor John os alunos sobem nas cadeiras, impõe sua subjetividade, sua poética e conscientes de que a mudança deve ser feita admiram o “C    apitão, ó meu Capitão”. A instituição permaneceu, o professor John saiu da escola, contudo a semente foi plantada, se foi sufocada pelo sistema, não temos a resposta. O fato é que essa mesma semente é plantada em nossas consciências de que é necessário sempre renovar, inovar e que a cultura molda a sociedade e nada, nem as instituições são detentoras de uma verdade suprema e absoluta, mas que a poesia e a filosofia estão sempre presentes para questionarem o existente e mostrarem outras formas de perceber a realidade.
Por fim, acreditamos que, a poética está no viver, nos relacionamentos sociais, e este estabelecimento é um tomar de consciência do indivíduo para que não se fixe apenas no já estabelecido, pois outras construções podem ser realizadas, e o ser humano em sua brevidade existencial tem muito que explorar, nos conhecimentos e representações do mundo. Por tanto, o filme nos apresenta uma maneira de enxergar a sala de aula tradicional, não como algo destrutivo, mas que precisa estar conectado com maneiras novas de ensino, e é isso que o professor John Keating deseja transmitir, inovando trazendo a poesia para a realidade dos alunos.


Bibliografia

BEHRING, E. R. Fundamentos de política social. Revista Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional, Campinas, 2000.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 49. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Petrópolis; Bragança Paulista: Vozes, Editora da Universidade de São Francisco, 2007.
HEIDEGGER, Martin. O que é isto — A filosofia?, in Col. Os Pensadores, São Paulo, Abril Cultural, 1973.
Horácio (23 a.C). Carmina – liber primus. Recuperado em 20 de maio de 2013 de: http://www.intratext.com/IXT/LAT0532/_IDX003.HTM. Acessado em 23 de outubro de 2015.
PLATÃO. República. São Paulo, Atena Editora, 6ª Edição. Tradução de Albertino Pinheiro, 1956.
SINGLY, F. Sociologia da família contemporânea. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007
TEIXEIRA, Evilázio. A Educação do Homem segundo Platão. São Paulo: Paulus, 1999.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Até o Fim

A filosofia estuda tudo. Nessa música percebemos o impacto da filosofia na existência humana.